sábado, 5 de setembro de 2009

Dissonância

Em música, dissonância é a qualidade dos sons parecerem "instáveis" e de terem uma necessidade aural de serem resolvidos para uma consonância estável. Tanto consonância como dissonância são palavras aplicáveis à harmonia, acordes e intervalos e, por extensão, à melodia, e mesmo ao ritmo e à métrica. Conquanto haja fatos neurológicos e físicos ponderosos, importantes para se entender a idéia de dissonância, a definição precisa de dissonância é condicionada culturalmente – definições de e convenções sobre o uso, relativas à dissonância, variam muito entre os diferentes estilos, tradições e culturas musicais. Entretanto, as idéias básicas de dissonância, consonância e resolução existem de alguma forma em todas as tradições musicais que têm um conceito de melodia, harmonia e tonalidade.


Mais confusão sobre a idéia de dissonância é criada pelo fato dos músicos e escritores algumas vezes utilizarem a palavra "dissonância" e seus termos relacionados de uma maneira precisa e cuidadosamente definida, mais freqüentemente de maneira informal e com mais freqüência ainda, num sentido metafórico ("dissonância rítmica"). Para muitos músicos e compositores, as idéias básicas de dissonância e resolução são vitalmente importantes, pois são idéias que revelam em vários níveis o seu (dos compositores e músicos) pensamento musical.
A despeito do uso freqüente de palavras como "desagradável" e "irritante" para explicar o som resultante da dissonância, a verdade é que toda a música composta numa base tonal e harmônica – mesmo música que geralmente é percebida como harmoniosa – incorpora um certo grau de dissonância. A construção e alívio de uma tensão na música (dissonância e resolução), que pode ocorrer em todos os níveis, do sútil ao mais denso, é o que é, em grande escala, a principal responsável pelo que muitos ouvintes percebem como beleza, emoção e expressão em música.


Dissonância e estilo musical


O entendimento do tratamento dado à dissonância por certo estilo musical – o que é considerado dissonante e que regras ou procedimentos governam como os intervalos dissonantes, acordes ou notas são tratados – é a chave para se entender um estilo específico. Por exemplo, do período barroco até o romantismo, a harmonia, geralmente, era governada pelos acordes, que são conjuntos de notas geralmente consideradas consonantes, embora mesmo dentro deste sistema harmônico haja uma hierarquia dos acordes com alguns sendo considerados relativamente mais consonantes e outros relativamente mais dissonantes. Qualquer nota que não se enquadre na harmonia prevalecente é considerada dissonante. Uma atenção especial é da a como se chegar à dissonância. Chegar a ela por intervalos de segunda é considerado menos "irritante" do que se for utilizado um intervalo de quinta ou maior. Mais atenção, ainda, é dada a como elas são resolvidas (quase sempre com intervalos de segunda), em como elas são colocadas na métrica e no ritmo (dissonâncias nos tempos fortes são consideradas mais fortes do que as inseridas nos tempos fracos, consideradas menos vitais) e onde elas aparecem na frase (as dissonâncias tendem a resolver no final da frase). Em resumo, as dissonâncias não são utilizadas de qualquer maneira, mas, antes, são utilizadas de uma maneira bastante cuidadosa, controlada e bem circunscrita. A interação sutil entre os diversos níveis de dissonância e resolução é vital para se entender a linguagem tonal e harmônica de cada período.


A dissonância através da história da música ocidental


As dissonâncias têm sido entendidas e escutadas de maneiras diferentes nas diversas tradições, culturas, estilos e períodos musicais.
Relaxamento e tensão têm sido usados como analogia desde os tempos de Aristóteles até os nossos dias (DeLone et. al. 1975, p. 290)..
No início do Renascimento, intervalos como, por exemplo, a quarta justa, eram considerados como grandes dissonâncias que deviam ser imediatamente resolvidas. A regola delle terze e seste ('"regra das terças e sextas"), exigia que as consonâncias imperfeitas fossem resolvidas por uma consonância perfeita de um semi intervalo de segunda maior numa voz e e por um intervalo de segunda maior na outra (Dahlhaus 1990, p. 179). O Anônimo 13 permitia duas ou três consonâncias imperfeitas, o Optima introductio três ou quatro e o Anônimo 11 (século XV) quatro ou cinco. Por volta do final do século XV as consonâncias imperfeitas não eram mais consideradas "sonoridades tensas", mas "sonoridades independentes", como evidenciado pelo argumento de Adam von Fulda, permitindo suas sucessões, conforme registrado por Gerbert (vol. 3, página 353). "Embora os eruditos no passado proibissem todas as seqüências com mais de três ou quatro consonâncias imperfeitas, nós que somos mais modernos, as permitimos" (ibid., página 179).
No período que cobre o século XVII até o fim do século XIX, se exigia que toda a dissonância fosse preparada e, em seguida, resolvida,[2] ocorrendo nos tempos(batidas) fracos e rapidamente abrindo para, ou retornando para uma consonância. Havia, também uma diferença entre dissonância harmônica e melódica. Os intervalos de dissonância melódica incluem o trítono e todos os intervalos aumentados e diminutos. Os intervalos harmônicos dissonantes incluem:
segunda menor e sétima maior; e
quarta aumentada e quinta diminuta (trítono).
Portanto, a história da música ocidental pode ser interpretada como iniciando com uma definição bastante limitada de consonância e progredindo em direção a uma definição cada vez mais ampla. Na história antiga, apenas os intervalos baixos na série de sobretons[3] eram considerados dissonâncias. À medida em que se avançava no tempo, mesmo intervalos mais altos na série de overtones eram considerados consonantes. O resultado final desta corrente de eventos foi, nas palavras de Arnold Schönberg, a emancipação da dissonância por alguns compositores do século XX. O compositor americano do início do século XX, Henry Cowell, via o bloco sonoro (tone clusters) como o uso de overtones cada vez mais altos.
Apesar desta idéia da progressão histórica da aceitação de níveis cada vez maiores de dissonância ser algo simplificada e excluir desenvolvimentos importantes na história da música ocidental, a idéia geral se mostrou atraente a muitos compositores modernistas do século XX e é considerada uma metanarrativa do modernismo musical.